Na novela “Amor à vida” exibida até recentemente pela TV Globo, o
personagem Ninho, vivido por Juliano Casarré, é um artista plástico que divide
seu tempo entre a arte e a criminalidade. Apesar do excelente trabalho do ator,
que emprega um tom ingênuo, quase burro ao personagem, para, quem sabe,
conseguir reunir esses dois perfis num só sem precisar lançar mão de uma
esquizofrenia, confesso, não consegui acreditar nessa parceria.
Já faz bastante tempo que me dedico à arte-educação e, entre as minhas
ações, o projeto “Eu sou” tem sido um espaço de colheita de excelentes
resultados, por isso posso afirmar: ainda não assisti alunos que depois de
estabelecerem vínculos verdadeiros com a arte tivessem ido ao encontro ou
debandado para a criminalidade. Sinto que há algo de incompatível nessa dupla
escolha.
Acredito, que à partir do contato com a subjetividade que propõe a arte
é também promovido o desenvolvimento de um valor maior nos sujeitos, ou ao
menos ela traz reflexões a respeito deles.
Durante o processo de relação entre o indivíduo e a arte, a primeira
conquista é a autodescoberta que traz estima ao próprio indivíduo e
consequentemente maior valor sobre si mesmo. Nutrir-se de si mesmo; isso é o
que fundamenta, é o que dá origem ao processo de construção de sujeitos.
A descoberta do outro costuma ocorrer num movimento seguinte; como uma
continuidade de si mesmo essa descoberta confirma a própria existência ao mesmo
tempo em que leva à valorização desse outro ou ao menos algum respeito por ele.
Vividos esses dois processos tão importantes de construção, esses
indivíduos então descobrem o poder que têm de mudar o entorno; e assim se fazem
sujeitos políticos, sociais e afetivos.
É ainda essa subjetivação (valorização do sujeito), tão bem veiculada
pela arte, que pode equilibrar o excesso de valor que é dado à coisa nesse
mundo em que vivemos.
Em resumo:
O que, eliminando-se as patologias (que aliás pouca representação têm
nas estatísticas), pode ser mais responsável pela criminalidade do que: o pouco
valor à vida, as passionalidades e o desejo de ser através da conquista de
coisas?
Não precisamos de pessoas-máquinas, pessoas repetidoras, nossa era é pós
industrial. Não precisamos de auto desconhecidos, eles não têm porque preservar
a própria vida ou a dos outros. Precisamos de seres pensantes, produtivos. Já
temos muitos vivendo à margem da sociedade formal, basta resgatá-los com
educação e arte.