Grave o seu nome, seu traço e reconheça a sua cor preferida. Num instante seguinte, mude de cor e de traço; se quiser, mude até a forma como desenha o seu nome. Descubra a liberdade de se transformar e de fazer a sua própria história”.

Helio Rodrigues


quarta-feira, 29 de junho de 2011

SIMBIOSES

São muitos olhares dissimulados, por vezes com aparência arrogante e de pouco caso, ou mesmo atitudes agressivas que, no entanto, escondem uma infância propositalmente “engessada”.
Engessar-se, pode ser um recurso, uma proteção quando uma estrutura se encontra débil ou já rompida. Pode ser também, uma maneira de manter a infância distante delas já que esse período pode ser fragilizador para crianças inseridas num meio repleto de injustiças e violências.
Em condições tão adversas como as que muitas vivem, viver a própria infância é mesmo um estado de perigo, porque pode vitimá-las através das brechas de ingenuidade e pureza que naturalmente caracterizam esse período.
Ser criança num meio social destituído de condições ao menos razoáveis de acolhimento e expressão, pode fazer desse indivíduo um alvo fácil do sofrimento. Dissimuladas, ou vivendo como adultos prematuros, essas crianças se afastam do criativo, escondem desejos ou se deixam levar pela ousadia de um sonho.
Tudo que se configura abstrato para essas crianças parece ampliar a insegurança; por isso elas se lançam na concretude.
Em meio às muitas estratégias de sobrevivência social, uma das constantemente observadas é a simbiose.
Durante os primeiros contatos com o projeto, nota-se que algumas crianças parecem não chegar sozinhas às aulas, formam como que “duplas de apoio”. Decidem e escolhem sempre juntas durante o processo das aulas, além de (é claro), construções, desenhos, esculturas e pinturas iguais. A forte sensação que temos sobre esse comportamento é:
“Se eu sou meia pessoa para escolher e decidir, me junto a outra meia pessoa e, quem sabe assim, eu possa construir uma pessoa inteira?”.
Enfraquecidos pela constante inferiorização e desvalorização de seus potenciais, as vítimas desse sistema lutam por suas sobrevivências articulando associações, como se pudessem realizar formações genuinamente individuais “de dois”. Assim agem nossos pequenos simbióticos, compactuando vontades aparentemente tão iguais.
Dessa íntima relação “dois em um”, por vezes “três em um” ou mais, não podemos esperar opiniões ou desejos individuais. Até a simples escolha de uma cor ou um formato de papel passa por um filtro de olhares, que pode autorizar ou negar, antes de uma decisão final.
Os produtos que colhemos nessas condições são quase que unicamente formações estereotipadas; possivelmente pela impessoalidade dos modelos prontos.
Com o tempo, a característica sedutora da arte faz romper essas defesas, permitindo a essas crianças o prazer das descobertas e consequentemente o contato com o legítimo.
A partir desse natural fortalecimento da legitimidade, onde as particularidades de cada indivíduo são consideradas e aceitas, notamos o rompimento dessas “relações de apoio” (simbioses), dando assim inicio a construção de suas verdadeiras identidades.
Ironicamente, com o fortalecimento da auto-estima nessas crianças, a arte abandona o lugar da fragilidade sentida por elas inicialmente para se tornar um recurso de defesa frente a essa mesma sociedade que vinha dificultando as suas existências.

2 comentários:

  1. Este texto caracteriza a qualidade e importância do projeto EU SOU. Parabéns!

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  2. Realmente seria muito falsa a modéstia da nossa equipe se não concordarmos. Os resultados são realmente muito gratificantes Daniel!!
    Em nome de todos nós, muito obrigado!

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TRANSFORMAÇÃO DAS ARMAS