Nos
passeios culturais que promovemos com as crianças e jovens do projeto Eu Sou, há
uma recorrência que nos primeiros anos me causava certo estranhamento. Quando pedíamos
autorizações aos pais para que seus filhos pudessem participar desses passeios,
alguns não permitiam, mas não alegavam o motivo.
Apesar
do meu constante esforço, confesso que infelizmente o ranço assistencialista com
alguma arrogância surgia em mim na forma de um pensamento:
“Como
pode, estamos oferecendo uma oportunidade ímpar e alguns não aceitam?“
Acabei
perguntando aos pais e obtive, de todos, respostas semelhantes:
-
Acho perigoso quando meu filho sai da comunidade.
Diante
disso eu tinha dois caminhos, me agarrar em alguma ironia preconceituosa ou
refletir. Optei pela segunda e me veio ao pensamento que, apesar da
indiscutível insegurança e a rotina de desrespeito que vivem os moradores das
favelas, circular fora delas é viver outra forma de desrespeito: a
discriminação.
Quem
já sofreu sabe que o preconceito é uma arma destruidora de identidades. De
uma forma mais branda, pode-se dizer que, fora dos limites da favela, seus
moradores experimentam uma espécie de “bullying” social. Por isso, mesmo em
meio ao fogo cruzado dos tiroteios e até a insegurança de ter a própria casa
invadida por policiais ou bandidos, é comum acreditarem que dentro da
comunidade em que vivem, suas identidades ainda podem ser minimamente preservadas.
O
objetivo do Projeto Eu Sou é justamente promover o fortalecimento dessas
identidades para que as defesas dessas pessoas não sejam os limites físicos da
favela, mas sim o autorreconhecimento e a potência que a arte ajuda a descobrir.
Todos
nós, da favela ou do asfalto, precisamos dessa relação mais sólida com nós
mesmos e assim, desapegados da frágil, porém arrogante defesa que os
preconceitos oferecem possamos verdadeiramente desenvolver nossas opiniões e colaborarmos
para o desenvolvimento de uma sociedade mais justa, menos restrita e mais comum
a todos.
Nesse
sentido, temos conseguido com o projeto dentro de comunidades, importantes resultados,
mas fora delas, no chamado asfalto, os preconceitos são também responsáveis
pela restrição das fronteiras estabelecidas por seus moradores.
A
instalação artística: “No espaço entre nós”, propõe a reflexão sobre essa
questão com uma pergunta:
O
que pode fazer a arte com esse espaço vazio existente entre nós?
Jovens
dos dois lados dessa sociedade partida responderam apenas com arte e com
maestria.