Tema das palestras
ministradas por Helio Rodrigues nos locais de exposição da instalação:
"O MURO"
EAV- Escola de artes
visuais do Parque Lage em janeiro de 2013 - RJ
Circuito Cultural da
Praça da liberdade em outubro de 2013 – BH
Em abril de 2014 no
Museu Oscar Niemayer - Curitiba
Passei grande parte da
infância me sentido um peixe fora d’agua, experimentando uma quase constante
sensação de não pertencimento até os meus 13 anos quando a arte me foi
apresentada.
Foi a arte que me deu
condições para ir me construindo e desconstruindo ao longo da vida; é claro,
repleto de dúvidas e conflitos. Foi com ela também que descobri a intensidade
que pode existir em tudo com que nos relacionamos.
Muitos anos depois, criar
e desenvolver o Projeto Social “Eu sou” não foi acaso. Também não foi uma
atitude heroica, como já quis acreditar, nem tão pouco altruísta. Penso que
tudo começou por uma vontade de rever e tratar profundamente a minha própria
identidade.
Parece frase pronta, mas
aprendo muito com as crianças e os jovens que atendemos. Além, evidentemente,
da imensa troca que todos nós da equipe estabelecemos.
Mas, ainda sobre os meus ganhos
pessoais, vale dizer, as crianças me exigem praticar a pluralidade e não apenas
acreditar nela teoricamente. Além disso, me permitem
rever, refletir e interagir com a tal sensação de não pertencimento que
experimentei na minha infância. Esse não pertencer legitimamente é também muito comum entre as crianças e jovens de favelas. Há na verdade, pouco direito à escolhas. Dentro de suas comunidades existem dois espaços muito
fortes que se apresentam como possibilidades: a criminalidade ou a
igreja.
Sem dúvida, as favelas
desenvolvem uma cultura e uma estética própria, mas, quase sempre confinada, restrita, cerceada pelos muros
sociais. É essa mesma estética que passa a ser identificadora de uma massa de
pessoas que vive nessa condição. Não há verdadeiramente individualidade. A
favela em si é a grande mãe que concentra a identificação.
Com o desenvolvimento do
projeto percebemos que, quando essas crianças e jovens, incentivadas pelo
contato com a universalidade da arte, atravessam os muros sociais passam também a estabelecer contato com outras normas culturais. Se confrontam então com uma estética além das fronteiras que até então conheciam. Nesse ponto, por mais
que não haja condutas discriminadoras por parte da equipe de profissionais,
muitas vezes, os próprios alunos começam a apresentar um perigoso desprezo por suas origens estéticas e culturais. Outros, se defendem abandonando o projeto
como se quisessem “apagar” ou interromper a própria sensibilidade. Possivelmente esses, preveem
as mudanças que podem ocorrer em suas vidas e preferem desistir.
Essas ocorrências se
tornaram muito preocupantes para nós do projeto. Por isso pensamos e realizamos um
movimento emergencial. Criamos uma série de atividades
artísticas para instigar nossos alunos a pensarem dois conteúdos presentes nos processos artísticos:
1- As diferenças entre um
olhar extraordinário e um olhar ordinário.
2- O poder da descontextualização,
quando fazemos um recorte sobre um todo qualquer.
Depois de uma série de exercícios e reflexões baseadas nesses conteúdos, pedimos que cada um, munido de seu olhar
ampliado, recortasse fotograficamente uma imagem de sua comunidade. Os
resultados foram surpreendentes.
“O Muro” é o resultado desses recortes. Um grande obstáculo que foi sendo vazado pela sensibilidade de muitos olhares. Ele é o resultado
da intervenção da arte na vida desses jovens. Traz dentro dele a oportunidade
da confirmação da força que tem o olhar quando é permeado pela arte.
Todos nós, da favela ou não, vivemos aprisionados pelas nossas estéticas. Somos regidos por um
poder maior que nos dita o que devemos aplaudir ou rejeitar em nossas vidas. Tudo, supostamente, para
pertencermos a algum meio social.
A arte, no mínimo amplia
nossa área de pertencimento. Muitas vezes ainda faz melhor, ela nos universaliza. Os
muros, por sua vez, perdem o poder que têm de cercear e acabam se transformando em objeto
questionador.