Grave o seu nome, seu traço e reconheça a sua cor preferida. Num instante seguinte, mude de cor e de traço; se quiser, mude até a forma como desenha o seu nome. Descubra a liberdade de se transformar e de fazer a sua própria história”.

Helio Rodrigues


segunda-feira, 29 de agosto de 2011

NO SOLO DA ARTE

Quando a arte está distante de nós, seus efeitos não se refletem apenas na perda intelectual dos indivíduos ou de uma sociedade, perde-se algo talvez mais valioso, que é a subjetividade que identifica e fortalece os sujeitos. Os efeitos danosos dessa distância tendem a se manifestar fortemente também no tempo e na matéria. O tempo torna-se estimulante da ansiedade, já que o prazer, torna-se uma meta a ser conquistada o mais rapidamente possível. A matéria, torna-se promessa de solução para a conquista desse tal prazer, que por ser coisa, em pouco tempo estará imperfeita, incompleta e superada por um novo objeto. O capitalismo talvez seja a única instituição que serpenteia todas as classes, vendendo a ilusão de que o consumo é a ferramenta da conquista, um medicamento para todos os males. A reboque ele vem desenvolvendo um outro movimento ilusório, um movimento de busca pela perfeição com promessas de “grande cura” para todos. Na prática, nos mantemos então todos “democraticamente” doentes, já que não há perfeição.
Não é diferente em qualquer classe social. Escuto de crianças muito pobres e de crianças muito ricas uma mesma frase:
Quero que fique perfeito.
Entre as crianças do projeto “Eu sou”, não é diferente. A estética da sociedade do asfalto, ou seja, dos que estão fora da favela, reina soberana sobre a pobreza, a sujeira, a violência, a falta de educação, a falta do privado. Tudo é escancaradamente público nas favelas, como num grande reality show.
O projeto é um espaço de arte; lidamos com estéticas, mas para as nossas crianças eles se vêm incompetentes para produzirem alguma estética que considerem "louvável". Paredes sem reboco, valas abertas, lixo...será que podem competir com o bem pintado?
Bonito é piso de porcelanato...lisinho, disse um adolescente quando discutíamos com um grupo os conceitos de belo e feio.
Precisávamos rever esses olhares com urgência. Começamos então estimulando o olhar dos nossos alunos sobre eles mesmos. Para isso, trouxemos uma proposta associada a uma técnica que consiste em que cada um se imagine semente lançada sobre o solo da arte. Em seguida, deitados sobre um grande papelão cada um procurou uma posição que fosse a representação do próprio renascimento, agora contaminados por esse novo solo.
Contornados seus corpos ou parte deles foram então recortados e preenchidos por cada um com todos os materiais que pudessem representar a idéia de renascimento através da arte.
Terminados os mais de oitenta contornos, montamos uma instalação em forma de uma grande mandala tridimensional no pátio da FQM (empresa patrocinadora do projeto), onde durante uma semana recebeu a visitação de funcionários e visitantes.
Após essa intensa relação entre os alunos com seus próprios registros criativos, promovemos uma nova etapa: A revisão da qualidade do olhar que todos nós estabelecemos com o entorno; com o que nos envolve. Acreditando que o desenvolvimento de um olhar criativo sobre um pequeno espaço, pode ser uma importante colaboração para se enxergar o extraordinário dentro dele e em seguida ampliá-lo para fora dele. Voltamos então ao piso, não o de porcelanato, mas o piso comum, cimentado; em geral com remendos, manchas, rachaduras, texturas... Com um pequeno grupo de alunos, todos munidos de pequenas molduras retráteis de cartolina preta, nos debruçamos sobre um metro quadrado desse piso, emoldurando pequenos pedaços, criando verdadeiros recortes de olhar sobre o “imperfeito”. Na medida em que emoldurávamos, todos descobriam diálogos plásticos entre cinzas, ranhuras, pingos ou manchas. Caramba, são quadros! Muitos quadros! Disse um dos alunos. Então eu disse: Olha que só visitamos um metro quadrado...imagina todo esse piso...e essas paredes? Saímos em seguida caminhando apenas guiados pelo olhar que, por estar “emoldurado”, fazia com que as chamadas “imperfeições”, quando recortadas, fossem retiradas do contexto que as nomeava. Durante esse passeio estético, um homem que varria um corredor nos perguntou o que era aquilo. Respondemos: Estamos procurando beleza nas coisas que costumamos chamar de feias. .

2 comentários:

  1. Quero participar do projeto, moro em Volta Redonda. Como posso contacta-los???

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  2. Oi Rosilene, meu email é helio@helioridrigues.com.br
    Em breve vou lançar meu livro em VR, seria bom se pudesse vê-la por lá.
    Abs.

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TRANSFORMAÇÃO DAS ARMAS